MATERIAIS COLABORATIVOS

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4.2 – o idioma do violão

SARAIVA

A figura do compositor-violonista perpassa a história da música europeia de concerto
e se articula com a música popular,
chegando a diferentes resultantes e todo um leque de soluções. 

De um modo geral só dá luz a uma composição fluente para violão quem toca o instrumento.
Dentro da tradição da canção brasileira a figura do “cantautor”
também integra o ato de compor com o de tocar.

Ou seja, em ambos os casos quem compõe é quem toca.
Como você enxerga essa coexistência entre o compor e o tocar?

ASSAD

Concordo parcialmente com o que você diz.
Essa é uma discussão que tenho constantemente com os meus colegas lá em São Francisco (EUA), onde já leciono há 5 anos.
São pessoas que acham que você não precisa tocar um instrumento para escrever para ele.
O que tem um certo fundamento pois, se você for analisar, grandes obras para violão do séc. XX foram escritas por pessoas que não tocam o instrumento.
A começar pelo ‘Noturno’ do Benjamim Britten, que provavelmente nunca encostou no instrumento e deixou-nos essa maravilha escrita para violão.
Quando você pensa em Joaquim Rodrigo, que escreveu coisas fantásticas para o instrumento, ou Castelnuevo Tedesco, que escrevia mais notas do que o violão podia fazer. 
O que não impede que a gente adapte, mantendo as inversões de acordes que ele quer e acabando por fazer a nossa versão da música.
Quando a pessoa não toca violão, é capaz de imaginar coisas que o violonista não teria imaginado, isso é possível.[i]
Mas é possível também que a pessoa imagine coisas porque toca o instrumento,
como no caso de Villa-Lobos que mudou a história de como escrever para o violão usando suas relações naturais.

SARAIVA

Idiomáticas

 

Estabelece-se, então, um jogo entre os recursos que são próprios do idioma do instrumento, comumente chamados de “idiomáticos” ou “violonísticos”, e aquilo que um compositor, quando não toca violão, é capaz de imaginar e que o violonista não teria imaginado.[i]

O exemplo musical executado por Guinga a seguir apresenta a abrangência do seu pensamento musical. Guinga explora, no âmbito da canção, o jogo de impulsos de mão dupla próprios à polaridade entre o que é “violonístico” e o que é “maravilhoso por não ser violonístico”.

 

GUINGA  

00:00 mas há um engano nisso

Mas há um engano nisso,[i]
O Chico Buarque além de grande letrista é um grande violonista.
Toca um violão, do jeito dele, que ninguém consegue imitar.
Eu nunca vi na música popular usarem inversões de acordes como ele usa.
A música dele tem uma arquitetura que é inigualável
por exemplo: ‘Dois Irmãos’
[toca uma vez inteira a música que se desenvolve a partir do trecho seguinte]

00:40 Morro Dois Irmãos (Chico Buarque)

 01:40 o Mi no fim

 02:09 maravilhoso por não ser violonístico

 03:08 qual o violonista que compôs algo assim?

 

Em um movimento cruzado, que atravessa o quadrado apresentado na abertura deste capítulo, Chico Buarque, “songwriter” que “nunca se considerou violonista”, se serve dos anos passados ao pé do piano de Jobim para desenvolver uma estrutura dificilmente imaginável por um estudioso do violão, e Sérgio Assad, violonista-compositor de sólida educação musical formal, mantém em pauta o que sente como essencial à comunicabilidade de canção, sem deixar de ter como uma prioridade musical o que está “passando por detrás da melodia”.

 

ASSAD

 00:00  numa boa canção quanto menos notas melhor[i]

Numa boa canção quanto menos nota você tiver melhor

SARAIVA

Mais chance de dizer né?

ASSAD
Exatamente

 

SARAIVA

Por outro lado existe essa sensação do músico frente a canção
A despeito do fato da letra ter esse papel protagonista muitas vezes
e nem é o caso de medir exatamente  essa relação
mas, agente que é músico…

ASSAD

Você tá preocupado com os outros elementos, com a harmonia
Eu acho que a primeira coisa que você ouve, no meu caso pelo menos, é o que está passando por detrás
eu quero ouvir o arranjo que foi feito, os solos,
o que foi feito como revestimento daquilo tudo.
Mas ao mesmo tempo eu acho que ao mesmo tempo que isso acontece
também no meu caso, de alguém que não presta atenção nas letras,

eu tenho impressão que a letra entra por que algum intérprete cantou a letra plena em  seu significado.

 

De volta ao universo do violão de concerto, apresentamos a continuidade do raciocínio de Sérgio Assad, que aprofunda sua visão da polaridade tocar-compor por meio da classificação do repertório em função da relação dos compositores com o violão.

 

ASSAD

 01:22 a grande maioria do repertório de violão foi escrito por violonistas

 02:05 século XX – a figura do compositor separado do instrumento

 02:35 a vertente dos próprios violonistas que fazem arranjos

 02:47 essas três coisas

Então tem essas três coisas:
1- músicas escritas pelos violonistas
2- músicas arranjadas pelos violonistas
3 – músicas escritas pelos compositores, que cada vez mais vêm destrinchando o instrumento.

 

  1. LINK com a ideia “em algumas das minhas parcerias com Baden eu ajudei a compor trechos das melodias”,  apresentado em – 5.5 – “Boi de Mamão” – no depoimento de P. C. Pinheiro.

  2. Aqui Guinga, a meu ver, finalmente responde à minha pergunta: “O Cartola, e o Nelson Cavaquinho, por exemplo, que tocavam violão, chegavam a modulações e relações entre tonalidades que já eram diferentes. Como é que você sente isso?, dirigida a ele no momento imediatamente anterior no transcorrer de sua entrevista, apresentado em 3.5 – parece fácil mas é impossível.

  3. LINK com a ideia a mesma ideia apresentada em – 6.3 –  um problema antigo.

  4. LINK com a frase apresentada acima no depoimento de Sérgio Assad: “Quando a pessoa não toca violão, é capaz de imaginar coisas que o violonista não teria imaginado, isso é possível.” 

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