MATERIAIS COLABORATIVOS

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2.1 – o letrista

Este trabalho estuda a “parceria” que se estabelece entre um compositor de música e um compositor de letra [i], olhando particularmente para o compositor de música – abordando assim o “lado musical da canção” (TATIT, 2004, p. 124) sem perder de vista as propriedades da palavra que incidem sobre o desenho melódico.

Luiz Tatit nos introduz à escuta do “cancionista” que “privilegia o tratamento global da obra” e, assim, se distancia da escuta do “músico” que trabalha as “unidades mínimas do som”.[i]

Parece, realmente, que o ouvido dos cancionistas possui uma Gestalt própria: (…) adota algumas sequências de acordes (quando toca algum instrumento) e algumas regularidades rítmicas como pontos demarcatórios para a invenção melódica; propõe e memoriza melodias globalmente sem se deter nos detalhes de passagem (…). Se a tendência do músico é desenvolver um ouvido analítico, chegando às unidades mínimas do som (embora não perca a noção do todo), o ouvido do cancionista privilegia o tratamento global da obra, não se importando com alterações localizadas.[i](TATIT, 1996, p. 163)

No intercâmbio entre as especificidades da atividade musical e as nuances da palavra, um dos compositores escuta com maior nitidez o que o outro ouve apenas superficialmente. Assim, diante do formato de parceria aqui estudado, o “músico” tem na escuta do “letrista” parâmetro para a articulação de um discurso melódico que atenda à fluência própria da fala através dos recursos musicais que domina. A busca da integridade de canção, forjada através de colaborações entre parceiros, o “melodista” – que em muitos casos é um músico-instrumentista – tem como desafio equacionar as diferentes escutas apresentadas acima por Luiz Tatit, as quais serão estudadas ao longo do percurso de nosso trabalho.[i]

Fundamental para a história da canção no Brasil nosso entrevistado, Paulo César Pinheiro, apresenta através de sua fértil trajetória a dinâmica das informações neste panorama.

 

P.C. PINHEIRO

00:00  cada parceiro cada linguagem

Conheço o Brasil de perto, pois em cada lugar que ia fazer um show ou uma palestra, interessado como eu era pelo folclore brasileiro,
eu ia mergulhando cada vez mais em cada linguagem dessas

e fui amalgamando o que hoje sou e escrevo.

E a música de cada um dos meus parceiros tem uma linguagem diferente.
A linguagem que eu faço com João Nogueira,
não é a mesma que eu faço com Lenine, ou com Sivuca.
São coisas díspares.

01:09 por que você não faz sozinho ?

Eu comecei a compor …
Na verdade comecei a escrever
poesia
e pra decorar as poesias que eu fazia 
eu cantarolava
esses versos.

quer dizer: eu estava compondo 
sem saber que sabia fazer música

como fui tendo parcerias importantes
durante toda minha vida
eu fui deixando esse “lado musical”
de fazer melodias
um pouco de lado
Só fui retomar isso muito tempo depois.

04:28 aprendi um pouco com cada parceiro

A diversidade musical das melodias dos meus parceiros
me fez caminhar por trilhas
muito diferentes umas das outras
o que enriqueceu o que eu escrevo.
E me fez aprender também
a fazer melodias por esses caminhos todos.
Eu aprendi um pouco com cada parceiro.


Essa complementaridade entre música e letra que forja a canção, e que depende de uma cumplicidade natural nas intenções artísticas, vem fomentando ao longo dos anos o desenvolvimento de uma verdadeira rede entre compositores de canção popular no Brasil. Em cada “parceria”, que se aprofunda através das diversas decisões autorais, dois artistas têm a oportunidade de realizar um intercâmbio entre suas vivências anteriores e estabelecer um projeto comum. Essa rede informal que interconecta artistas de idades, lugares e experiências muito diferentes, se apresenta como meio através do qual as práticas autorais da canção popular brasileira são lapidadas e transmitidas de geração em geração. Práticas que se transformam e se renovam construindo continuamente o futuro da canção brasileira.

 

 

  1. LINK com a ideia “a cabeça do músico popular está sempre na menor figura” apresentado em – 2.2 – matrizes rítmicas – no depoimento de Marco Pereira.

  2. LINK com a ideia “para Baden o que interessa é a melodia, a harmonia depende do que ele está pretendendo, apresentada em – 3.3 – a canção sem violão – no depoimento de Turíbio Santos;

    LINK com a ideia “por que em uma música que tem uma forte ‘natureza melódica’ tocar a melodia já é o suficiente” apresentada em – 4.1 – violão-piano – no depoimento de Sérgio Assad.

  3. LINK com a ideia “fundo entoativo muito claro” apresentada em – 3.4 – a pergunta de Tatit.

  4. Vale o esclarecimento de que apesar de esse tipo de relação se apresentar das mais variadas maneiras no Brasil, já que é comum a figura do compositor que trabalha tanto “letra” quanto “música”. Mesmo os compositores que dispõem de ambos os predicados recorrem constantemente a um parceiro e assim assumem uma das duas funções – o que resulta no formato de trabalho aqui estudado –, ou ainda compõem no modelo de “parceria de sambista” – na qual um compositor apresenta letra e música de uma primeira parte que o parceiro complementa fazendo também letra e música.

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