MATERIAIS COLABORATIVOS

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4.3 – a sala, o banheiro e a praça

SARAIVA

Que diferença você sente entre tocar dentro de uma sala de concerto,
com uma boa acústica, e tocar, por exemplo, numa praça?

MARCO PEREIRA

Bom, o violão é um instrumento muito complexo nesse aspecto, porque tem um problema sério de volume sonoro.
O Segóvia nunca amplificou o violão dele[i],
mas hoje em dia é difícil você tocar sem dar um conforto para a platéia.
O mundo é tão barulhento que esse baixo potencial sonoro do violão
às vezes causa até um desconforto.
A pessoa não pode virar na cadeira, não pode tossir,
para não incomodar quem está querendo ouvir.
Aquelas coisas de sala de concerto.
Um dos grandes problemas é como tornar seu instrumento versátil 
para que ele possa ser ouvido nas diferentes situações.

SARAIVA

Amplificar, né?

MARCO PEREIRA

Sim, amplificar.
Ter um captador, um microfone especial.
Você vê que a cada ano que passa vão surgindo novos equipamentos.
Isso é sem fim.
Porque se trata de instrumento muito difícil de amplificar,
já que violão tem problemas com frequências que são complicadas.
Como ele tem um baixo potencial sonoro,
dentro de um ambiente acústico essas frequências não incomodam,
mas quando você amplifica elas começam a aparecer, e a atrapalhar.
A tecnologia se desenvolveu a um ponto que faz com que hoje seja possível se resolver isso com um bom sistema de sonorização.

 

Diferentemente de formações instrumentais que se equilibram em um patamar de volume atingido por meio de uma projeção sonora maior, como o “piano-trio” (piano, baixo e bateria) ou o “regional” (bandolim, flauta, pandeiro, violão 7 cordas – com dedeira), o violão é efetivo em um volume mais baixo. Ao menos se considerarmos o violão que se alimenta de sua característica “orquestral”, atingida por meio das “variações de timbres” só obtidas ao se assumir o volume de uma atuação “de concerto”. [i]

O “violão elétrico” que utiliza um “captador” instalado normalmente sob o rastilho é, já desde os anos 1960, o instrumento padrão utilizado em canção popular, muito em função de equiparar-se em volume aos demais instrumentos habitualmente presentes no acompanhamento da música popular. Entre as propriedades sonoras do violão “acústico” – de concerto – e o “violão elétrico” estabelece-se ainda outra polaridade que é enfrentada cotidianamente pelo instrumentista atuante no campo de intersecção aqui estudado. Muitas vezes o instrumentista se sente impelido a procurar “outra forma” de “chegar ao público” que não dependa da “pureza do som”.

 

MARCO PEREIRA

Mas sem dúvida, bom mesmo é quando você pode ouvir o violão numa sala pequena,
com uma boa reverberação natural,
e as pessoas relativamente próximas,
ouvindo o som natural do instrumento.

Quando você vai para a praça a comunicação musical tem que ser feita em outro nível,
e não pode se ater a esse aspecto da pureza do som.
Você tem que chegar no público e passar sua mensagem musical de outra forma.

 

A dimensão sonora em que João Gilberto atua, baseada no volume do violão, colocou-o, ao longo da carreira, na condição de figura excêntrica para o mundo da canção popular. Esse fato se dá, em grande medida, por nunca ter aberto mão da sonoridade natural do instrumento em apresentações ao vivo, posicionamento que o irmana aos violonistas eruditos em geral

SARAIVA

 00:00  distância entre o volume de câmara de João Gilberto e o volume de Caymmi

JOÃO BOSCO

 00:27 a praça

 01:52 a sala como dimensão do compositor e o tocar-compor, no violão e na canção

 03:16 o ideal seria levar sua sala pelo mundo afora

 00:00 João Gilberto no banheiro

 00:38 quando você vai pra uma praça tocar com uma banda

 

A associação dessas nuances do fazer violonístico aos espaços “praça” e “sala”, que atinge uma sonoridade crucial para a história da música brasileira no “banheiro”, da tia de João Gilberto, surge de modo espontâneo ao longo da entrevista, anterior à de Marco Pereira, realizada com João Bosco.

SARAIVA

Quando o som passa pelo cabo, ele é outro som.

JOÃO BOSCO

E a gente também quando está na praça não quer ouvir o som da sala,
a gente quer ouvir esse som aí!

Que está na praça!

SARAIVA

Uma outra busca.

JOÃO BOSCO

Porque a gente fica também tomado por esse ambiente, por essa energia.

 

Diante dos diferentes contextos musicais investigados em nosso trabalho cabe a menção de que, de um modo geral, o tipo de música que se faz em uma “praça” é mais facilmente transposto às exigências de uma “sala” do que a adequação realizada no sentido inverso. Fato que é demonstrado pela tão alardeada dificuldade de João Gilberto em executar sua música em palcos que não apresentam uma solução acústica mínima, em contraste com a naturalidade com que o próprio João Bosco executa sua música na forma em que nasceram – em voz e violão –, dispensando ou atenuando a presença sonora da banda nas apresentações realizadas em salas de concerto.

  1. LINK com a ideia “Spain’s most notable luthiers had to be encouraged to search for means of increasing the volume of the guitar without electrical or artificial devices” apresentada em – 4.6 – ressurgimentos: a escola da Meira e o ar maior – na citação do depoimento de Andrés Segóvia.

  2. LINK com a ideia “você pode fazer tantos timbres diferentes. Essa coisa de ser um instrumento meio orquestral” apresentada em – 4.1 – violão-piano – no depoimento de Sérgio Assad.

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