MATERIAIS COLABORATIVOS

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6 – O FIXO E O FLEXÍVEL

A polaridade que se estabelece entre o efêmero e o eternizado é um ponto chave para esta pesquisa. O efêmero da espontaneidade inerente ao gesto musical que se reinventa continua e espontaneamente obedecendo à dinâmica de transmissão oral – aqui representada pelo universo da canção popular – apresenta-se como um dos polos; e o eternizado, gravado ou cristalizado, que atravessa um processo no qual o gesto musical ganha a acepção da tradição escrita –, podendo acontecer por meio da escrita “aproximada” corrente na música popular ou – no ponto extremo da polaridade aqui traçada – da escrita “formal” da música e violão de concerto.[i]

Com o objetivo de tangenciar tal questão, propomonos aqui a introduzir minimamente a problemática envolvida nos processos de fixação em partitura de conteúdos musicais que possuem uma natureza flexível.

 

6.1 – ver fazer: o “Jimbo no jazz”

A conversa com Luiz Tatit parte dos recursos do violão que ele costuma utilizar no desenvolvimento de suas canções e chega à dicotomia entre gestos violonísticos representáveis por algum tipo de escrita ou somente por meio de gravação.

 

TATIT

Do violão que eu toco eu posso tirar cifra,[i]
mas fica uma bobagem, ficam dois acordes…

SARAIVA

Não vai ser isso que vai transmitir

 

TATIT

Ele tem que fazer aquele solo ao lado da melodia da voz,
tem que ter essa articulação lá.

SARAIVA

Uma partitura.
Isso não deixa de ser uma partitura de violão, certo?

 

TATIT

Mas normalmente a partitura não dá a inflexão,
porque tem sempre um lado rítmico…

SARAIVA

Ah, pronto.

TATIT

Que é difícil você expressar só nas figuras.[i]
Então o ideal, atualmente, é você ter a gravação, a filmagem.

Eu acho que isso é uma saída muito forte no sentido de entender o que o instrumento está fazendo.
Um violão como o do João Bosco, ou como o do Gilberto Gil,
você precisa ver fazer, também não adianta ver a cifra.
É aquela rítmica, aquela pegada.

 

O “ver fazer” que surge nesse momento do diálogo com Luiz Tatit – na entrevista inaugural do projeto –  justifica a perspectiva de realização de um filme decorrente deste projeto, bem como nossos esforços no sentido de realização deste vídeo-site, apresentado o material de todo o projeto, no qual se inclui a próxima execução musical de João Bosco,  não apenas em áudio, mas também em vídeo.

A ligação do ritmo com o gênero é tão estreita que faz com que, por exemplo, um baião, tango, samba ou bolero sejam popularmente chamados de “ritmos”. Diante da história brasileira, que é francamente mestiça[i], mesmo os gêneros/ritmos que tomamos como “fixos” são constantemente relativizados, seja em ato autoral, seja pelo intérprete – atrelado ao papel do arranjador –, nas releituras tão próprias à dinâmica da canção popular.

A conversa que segue com João Bosco parte dessa polaridade:

SARAIVA

 00:00  afirmação do gênero musical e o hibridismo

Existe uma polaridade que se dá entre o lado da afirmação do gênero –
quando se faz algo que podemos dizer: isso é um Bolero, assim, de boca cheia;
e o outro lado que é quando a gente tem aquela tentação da mistura, da hibridização.[i]

JOÃO BOSCO

Isso

SARAIVA

Você é um compositor muito consistente no trabalho dessa polaridade.
Lembro de uma música do seu último disco ‘Jimbo no Jazz’, que é um jongo e não é…

 

JOÃO BOSCO

 00:37 Jimbo no Jazz (João Bosco/Nei Lopes)

 01:33 Tarantá 

[canta Taranta, toada conhecida através da interpretação de Clementina de Jesus sobre a levada rítmica transcrita a seguir]

 

 02:13 o Jimbo foi uma letra que eu musiquei[i] 

 02:35 ela tem uma harmonia jazzistica

 03:11 aí…

 

A mesma rítmica do Jongo é agora executada na intrincada digitação que, também na mão esquerda, o compositor desenvolveu a partir da que procuramos transcrever anteriormente, baseada apenas no acorde de C7(9).

O acorde do G Blues, como o dedo 3 salientando a nota Si bemol na terceira corda [a blue note do tom] que alterna com o sol da mesma corda solta, implica um posicionamento que exige grande flexibilidade mecânica da mão esquerda, muito difícil de ser atingido de maneira relaxada.

Diante da quantidade de elementos envolvidos, a passagem parece impossível de ser transcrita em partitura, porém, como podemos acompanhar no vídeo aqui apresentado, de alguma maneira inexplicável se torna ainda mais fluente através do gestual das mãos e do corpo de João Bosco, que agora revela mais claramente o seu “pulso interno” ou “tempo”, e me ajuda a, finalmente, assimilar ao menos as linhas gerais do desenho rítmico proposto e condensá-las num gesto vocal (mnemônico), que é habitualmente utilizado como recurso para o incorporar rítmico.

A partir daí a conversa se desenvolve em torno do Jongo.

 

JOÃO BOSCO

 04:06 Jongo da Serrinha (RJ)

 tem vários sentimentos de Jongo.

  1. LINK com a ideia de “cifra alfanumérica” de recorte “vertical” – habitualmente utilizada para anotações harmônicas por quem manuseia canção popular, apresentada em – 2.3 – matrizes melódico-harmônicas.

  2. LINK com a ideia “a notação em partitura da rítmica utilizada pelo violão de acompanhamento de canção, e da música popular em geral, representa um desafio” apresentada em – 5.4 – rítmica brasileira.

  3. LINK com a ideia “o autêntico nasce do impuro” apresentada em – 5.5 – “Boi de Mamão” – a partir da citação de Hermano Vianna.

  4. LINK com a ideia “às vezes não sei onde começa ou termina, por exemplo, o samba” apresentada em – 5.4 – rítmica brasileira.

  5. LINK com a ideia “indicar tudo pode congelar” apresentada em – 5.1 – Gagabirô – por Sérgio Assad e com a ideia “a partir do momento que você coloca no papel passa a ser sua intenção” apresentada em – 6.4 – o momento da escrita – também no depoimento de Assad.

  6. LINK com o álbum Sobre Palavras, gravado em parceria com a cantora Verônica Ferriani, com repertório integralmente composto a partir das letras de Mauro Aguiar.

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