MATERIAIS COLABORATIVOS

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1 – violão solo e violão e voz

1.1 – um violão que canta

 

A ideia de “tocar canções” é corriqueira e perpassa a vida de um músico desde seu primeiro contato com um instrumento. No Brasil esse primeiro contato com a música em muitos casos acontece através do violão, colocando para o iniciante a opção entre dois caminhos principais de atuação: o do violão que acompanha a voz que canta uma canção e o do violão que executa uma música sozinho. Muitas vezes, ao tentar reproduzir o que é corrente na música popular cantada, esse violão solo, ou solista, que tem mesmo vocação para uma atuação solitária, termina por tocar canções.

 

JOÃO BOSCO

00:00 pra começar essa história

01:35 Dilermando

02:21 ingredientes espalhados nos lugares mais diversos[i]

 

O mencionado “arraste em oitavas” pode ser ouvido na primeira frase do tema da imortal Abismo de Rosas, composta por Américo Jacomino, o Canhoto (1889-1928). O “arraste”, também chamado de “glissando” ou “portamento”, é um dos vários recursos que caracterizam o estilo interpretativo do “violão seresteiro”, propagado em cadeia nacional ao longo da “era do rádio” através de Dilermando Reis (1916 – 1977). Dilermando foi o expoente máximo do violão solo brasileiro que explorava as vantagens das cordas de aço para atingir a expressão sentimental de seu “cantábile”, através do qual estabelece “um modelo de fraseado intuitivo”[i] que é referencial para o violonista brasileiro.

O violão de Dilermando “cantava” com expressão muito semelhante à das grandes vozes da era do rádio, resultando no que podemos perceber como uma versão instrumental do “canto seresteiro”.

Assim foi apresentado o violão solo para toda uma geração de ouvintes, justamente a geração dos nossos entrevistados. Pois, se através de Dilermando, João Bosco sentiu o instrumento que em suas mãos passaria a acompanhar sua própria voz, foi também por essa via que Marco Pereira se deparou com o violão solo, que cultivaria ao longo de toda a vida.

 

MARCO PEREIRA

00:00 diletantes do violão solo [i]

00:43 geração que começou pela canção

 

A canção popular, vivenciada pela geração dos mestres entrevistados, mobiliza um amplo leque de informações, profundamente arraigadas à maneira de viver do brasileiro. Dessa maneira, a canção se faz presente em áreas variadas da cultura nacional como o cinema, o teatro e a literatura. No ambiente contíguo do “violão de concerto”, ela não deixaria de se manifestar como traço marcante.

Sérgio Assad conta de que forma a canção se apresenta em sua história como elemento que o constitui em plano profundo.

 

ASSAD

00:00 cresci ouvindo canções

00:56 um fazer natural

 

A concertista e professora argentina Monina Távora (1921-2011), aluna de Andrés Segóvia (1893-1987), deu aulas regulares para o Duo Assad por sete anos (OLIVEIRA, 2009, p. 257). Já o violonista-compositor Paulo Bellinati teve sua formação no violão erudito com o principal agente na instituição do ensino do violão de concerto no Brasil: o uruguaio, naturalizado brasileiro, Isaías Sávio; mestre que, talvez por ser também compositor, era “aberto ao diálogo com a música popular”[i].

 

BELLINATI
Sávio insistiu muito numa coisa quando eu era garoto.
Ele falava sempre que a melodia é que era o importante,
que tem que cantar,
que a melodia tem que ser bonita

 

Essa prioridade, que estabelece um padrão de “melodia acompanhada”, repercutirá na futura atuação de Bellinati como autor, presente, também, em seu olhar como transcritor e realizador do livro The Guitar Works of Garoto, que apresenta a obra deste que é outro violonista-compositor referencial para a música brasileira: Aníbal Augusto Sardinha.

 

BELLINATI
O Garoto era um compositor que fazia canção no violão.

SARAIVA
 Você fala das canções que receberam letra
e vieram a ser gravadas com interpretação vocal,
como “Gente humilde” e “Duas contas”?

BELLINATI
Falo de todas as músicas dele.
Eram canções instrumentais, não eram solos de violão,
era uma canção que ele tocava no violão.
Era“um violão que cantava.”[i]

 

Como vemos, essa ideia tão recorrente de um “violão que canta”, ou de uma canção instrumental, representa um traço constitutivo da música feita para violão solo no Brasil. Esse traço é determinado pela forte relação que o brasileiro tem com o canto, laço que se traduz em uma canção popular ampla, que ultrapassa seus supostos limites, apontando diferentes direções estilísticas através de múltiplas vertentes autorais.

Assim, o “estilo cantabile” se torna uma marca do repertório do violão solo brasileiro, no qual a melodia impera. Seja na música de Canhoto – que se esmera pela contundência dos motivos melódicos desenvolvidos em um contexto harmônico mais tradicional –, seja na música que se utiliza de uma maior variação harmônica, da qual Garoto é nosso referencial histórico.

O violão dos mestres brasileiros canta e se vale dessa relação com o canto para alcançar integridade na composição, de modo a entrar em comunicação direta com os ouvintes. Que também cantam.

 

ASSAD

01:58 breve história do violão brasileiro

02:44  melodia forte

A história do violão brasileiro vem de Canhoto, João Pernambuco,
Passa por Laurindo, pelo Garoto e Dilermando Reis.
São figuras chave do desenvolvimento do violão no Brasil.
E tem algo comum entre eles,
que é exatamente o fato de escreverem música com característica melódica muito forte,
então todos eles eram compositores de canção.

E todos eles desenvolveram profissionalmente essa coisa de acompanhar cantores. […]

02:56 uma terra onde o canto é privilegiado

03:59 harmonizar

04:30 eu vou cantar! normalmente eu não faria isso…

É uma maneira, digamos, de arranjar no seu violão quando você está harmonizando
Por exemplo… normalmente eu não faria isso,
eu vou cantar! [risos]

[ASSAD canta a melodia de sua música Ângela harmonizando-a com o violão, como em uma canção, e na sequência toca o arranjo da melodia no violão costurada com a harmonização, como em uma peça para violão. Enquanto toca, tece comentários sobre os desafios desse processo]

06:10 limites do violão [i]

no caso do violão as vezes você fica um pouco limitado
no que pode ser feito como harmonia
enquanto sustenta a melodia
você cai numa posição…
por exemplo, você cai num acorde como esse:

e não tem mais para onde…

SARAIVA
não tem como mover a coisa ali

ASSAD
exatamente,
você quer sustentar a melodia, a harmonia, o baixo
você fica limitado
o violão limita por isso

tem acordes que são presos
você não tem a corda solta
com a corda solta facilita

 SARAIVA
tem mais recurso

ASSAD
isso que faz com que escrever para violão fique uma coisa mais difícil
porque as vezes você pensa coisas que gostaria de ouvir
mas não dá para fazer

  1. LINK com a ideia “a gente vai juntando uma coisa com a outra” apresentada em – 5.1 – “Gagabirô” – no depoimento do próprio João Bosco.

  2. Laurindo de Almeida (1917-1995), violonista brasileiro que em 1950 se estabelece em Los Angeles como um dos artistas brasileiros que mais contribuiu para uma difusão sistemática da bossa-nova nos EUA.

  3. LINK com a mesma ideia em – 3.1 – a não canção?.

  4. LINK com a ideia “quando elejo essa abertura [para esse acorde por exemplo] vira uma coisa escrita” em – 6.4 – o momento da escrita.

  5. Fábio Zanon formula essa ideia aos 21m08s do programa dedicado à Dilermando Reis – elaborado com colaboração de Ivan Paschoito – da série de programas “A Arte do Violão”, que foi ao ar pela Rádio Cultura FM de São Paulo. Acesso em: set. 2013. (ZANON, F. Dilermando Reis. In: programa “A arte do Violão”, Rádio Cultura)

  6. Fábio Zanon formula essa ideia aos 36m50s do programa dedicado a Isaías Sávio – elaborado com colaboração de Maurício Orozco – da série de programas “A Arte do Violão”, que foi ao ar pela rádio Cultura FM de São Paulo. Acesso em: set. 2013.

  7. LINK com a fala de Assad “tem muita gente que adora o violão, ele faz a cabeça de muita gente” em – 4.1 – violão-piano.

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