3.4 – a pergunta de Tatit
O presente projeto teve sua entrevista inaugural, realizada no segundo semestre de 2011, com Luiz Tatit. Professor livre-docente do Departamento de Linguística da USP, onde desenvolve trabalho a partir de ferramentas da Semiótica aplicadas à análise da canção popular. Nessa entrevista, ele nos coloca questões que lhe são centrais:
TATIT
Esta é minha curiosidade:
1) Saber o que os músicos-instrumentistas veem.
2) E se de fato eles têm consciência de que o que eles admiram são as unidades entoativas.
Porque você diz “unidades entoativas” e eles acham que são “unidades melódicas”,
ou que o ponto é o som das palavras, aliterações, etc. Quando isso é secundário.
A questão é da própria fala.
Para chegar nisso é preciso afinidade, e uma certa massa de conversa a respeito.
A primeira curiosidade de Tatit sobre “o que os músicos-instrumentistas veem” orientou e estimulou decisivamente esta pesquisa no sentido de tecer o cruzamento dos discursos decorrentes de diferentes vivências musicais que compõem a trama essencial deste trabalho.
SARAIVA
Peço licença para fazer uma pergunta
que Tatit me “encomendou” que fizesse para um músico.
MARCO PEREIRA
Vamos lá.
SARAIVA
Eu estou só transportando-a.
A pergunta dele é a respeito daquela figura do maestro que fica recebendo os sambas.
Anos 30, na porta da rádio, o próprio Jobim fez isso por alguns anos,
anotando as melodias dos sambistas que muitas vezes compunham “na cabeça”.
MARCO PEREIRA
Ah, passando para a partitura.
SARAIVA
Para poder fazer o arranjo, porque uma hora tem que chegar aí
MARCO PEREIRA
Sei, o cancionista cantava a melodia
O maestro escrevia a melodia, cifrava, para depois arranjar.
SARAIVA
Isso. A pergunta do Tatit é:
“Por que o maestro, que sabia tanto de música,
ficava esperando os teminhas do cancionista? Por que que ele não fazia o teminha?”
MARCO PEREIRA
Mas ele fez.
Jobim fez depois desse período em que trabalhou como arranjador.
00:00 não é o conhecimento técnico que faz uma canção
Agora, tem um negócio também,
não é o conhecimento técnico-musical que faz alguém fazer uma boa canção.
Por isso que eu te perguntei se seu trabalho cobre essa coisa mais rasteira da canção popular.
Eu, por exemplo, não sei fazer canção.
Escrever algo na forma de canção. [i]
Eu posso fazer trinta por dia se eu quiser, faço de montes.
Mas fazer aquela que realmente vai na veia é que é a questão,
e finalidade principal de uma canção.
00:36 a “forma-canção”
01:22 canção popular
O conselho de Radamés dirigido a João Bosco deixa claro que o maestro tem em alta conta as habilidades intrínsecas a modos de transmissão ligados à oralidade e, assim, à figura do “cancionista”. Posicionamento que acaba por complementar a resposta à pergunta formulada por Tatit.
JOÃO BOSCO
00:00 eu nunca estudei música…
00:58 conversa com Radamés Gnatalli – eu queria só era tocar meu violão
O diálogo com Luiz Tatit, que foi ponto de partida da pesquisa na primeira entrevista[i], teve um momento de aprofundamento, já em 2015, quando acontece uma segunda entrevista, na qual percebemos uma atualização[i] no olhar de Tatit acerca do tema central abordado nesse trabalho. Que é justamente a relação, especialmente fértil no Brasil, entre as propriedades intrinsecamente vocais – atreladas à palavra – e a matéria instrumental, ou, mais especificamente, violonística.
No capítulo 3.7 – As vezes o violão traz a melodia pode ser visto um trecho da segunda entrevista com Luiz Tatit, realizada já após o fechamento do texto do livro, entrevista que alcançou uma dinâmica especial que justifica nosso propósito de em breve disponibilizá-la na íntegra nesse mesmo site. O que deixa no ar outra pergunta: O quanto a discussão ganharia em profundidade se retornasse, uma vez mais, a cada um dos entrevistados?
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LINK com a “forma Lied” apresentada em – 6.4 – o momento da escrita – na citação de Zamacóis.
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A Faixa 9, gravada nessa ocasião, pode ser escutada no campo FAIXAS DO LIVRO.
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LINK com a ideia “Luiz Tatit atualiza e aprofunda sua percepção a cerca do tema” em – 3.7 – as vezes o violão traz a melodia.