6.4 – o momento da escrita
Se na canção popular, como salienta Tatit, parece não haver lugar para a escrita em partitura, ao menos da parte vocal, no universo do violão solo de concerto, no qual Sérgio Assad é um de nossos mais ilustres expoentes, é justamente através da escrita que um autor pode “se descobrir” e alcançar sua “linguagem pessoal”.
SARAIVA
00:00 Coco (Chico Saraiva) – com improviso de Sérgio no fim[i]
Como faço pra escolher entre essas possibilidades?
[salienta algumas das inflexões possíveis e já utilizadas]
Parece que tem quer ter mesmo muita precisão nessa eleição.
03:51 diferente de uma música cifrada
quando elejo essa abertura [para esse acorde por exemplo]
vira uma coisa escrita,é diferente de um B7 cifrado
por isso eu estou indo nessa direção, já tem muito material acumulado nesse sentido.
[toca o B agora em andamento mais lento salientado os momentos em que há escolhas envolvidas]
Esses espaços que a melodia deixa, você pode preencher de uma maneira ou de outra
no meu caso é até bom tirar ao invés de colocar.
Pra chegar naquela coisa mais “essencial” sobre a qual falamos[i]
04:50 solo, duo ou violão e voz?
Você acha que ela pode gerar uma boa partitura para violão solo?
Porque o que eu canto pode também alimentar um segundo violão.
E ela tem letra também, podendo ser escrita para violão e voz.
05:32 música que se sustenta nas duas maneiras
ASSAD
No seu caso eu escreveria para violão solo.
A harmonia já está aí,
está interessante.
SARAIVA
E como você acha que ela chega para o concertista?
Dentro daquela preocupação, que vem do exemplo aqui citado de Brouwer,[i]
esperando que funcione tanto quando o intérprete se referencie no jogo rítmico
quanto no caso de uma priorização do tecido melódico-harmônico.
Eu testo e sinto que ela traz intenções possíveis no gesto.
Gestos que podem acontecer à maneira de cada um.
Então, estou pesquisando como trazê-la para a partitura.
Por exemplo, como anotar essa intenção?
[toca a passagem]
SARAIVA
Acabei de fazer “crescendos” que só aconteceram agora.
Que eu não tenho, a princípio, como escolha composicional.
ASSAD
Mas a partir do momento em que você coloca no papel passa a ser sua intenção.
Passa a ser aquilo.
06:28 o momento da escrita
SARAIVA
Eu já a escrevi, mas ainda assim gosto que seja cada hora de um jeito.
Pelo menos para mim é bom, pois vai alimentar novas músicas.
Então é um pouco esse conflito, entre o fixo e o flexível.
Tem que haver esse momento da escrita, da escolha.
Já fiz alguns “crescendos” aqui e ali,
pode ser de tantas maneiras…
ASSAD
Acho que você tem que colocar no papel o que está fazendo.
Começa a fazer, vai anotando, que você vai se deparar com alguns problemas.
A começar por: Como escrever isso?
Você vai se descobrir fazendo e anotando
as coisas que formam sua linguagem pessoal
e vai se descobrir cada vez mais.
A forma, ou mesmo a duração, de uma composição nos revela outro ponto de interessante intercâmbio entre a canção popular e o violão de concerto. Transposta para o âmbito popular, a “forma” recebe influência decisiva do fato de a canção ter nascido e se desenvolvido em vivo diálogo com a indústria do disco, dela recebendo parâmetros como o tempo de duração das faixas em função até das tecnologias pioneiras em áudio-gravação. Assim, na medida em que não restringem a duração das peças, tais parâmetros revelam com nitidez a distância que existe entre os padrões habituais à canção popular e a expectativa da escuta do ambiente de concerto.
Sérgio Assad sugere que a peça apresentada assuma a forma de “pequena suíte”, a fim de obter um efeito de “contraste”, que de fato é mais comum a essa situação de “concerto” (erudito) do que a um “show” (popular).
ASSAD
Sugiro que você junte isso com outras duas coisas, que tenham afinidade,
fazendo assim uma pequena“suíte”.
Num ambiente de concerto, que é sobre o que estamos falando,
você precisa de segmentos maiores, de músicas mais longas.
E um jeito de se driblar isso é juntando peças do mesmo autor,
forma um grupo e não fica aquele concerto que se para a cada três minutos para aplaudir. Quanto mais agrupar melhor
SARAIVA
Entendo, mais adequado ao meio.
ASSAD
Então eu acho legal você juntar essa que é mais movida com duas outras coisas,
um prelúdio, ou algo assim que seja mais lento, coisas contrastantes.
E estabelece você mesmo o seu grupo de peças.
SARAIVA
Essa ideia de contraste é uma coisa que na canção popular não acontece tanto,
ainda que existam os recitativos, por exemplo.
Mas esse compromisso do material com essência popular com a continuidade rítmica
acaba aprisionando em certo sentido.
Essa música pode ser sentida…
[executo o trecho abaixo, salientando caráter rítmico baseado no ritmo do ijexá][i]
SARAIVA
…porém, pode ser também
[apresento a relação de andamentos que leva ao momento lento e contrastante da composição que apresento abaixo na versão escrita para duo de violões][i]
ASSAD
Claro, pode virar qualquer outra coisa.
SARAIVA
Esse tipo de “contraste” foi buscado, ainda que muito incipientemente,
como você pode ver nessas partituras que deixo contigo. [i]
Cada um vai sentir esse “aprisionamento” de uma forma, afinal, prisão é uma coisa muito pessoal. [risos]
ASSAD
Um exercício que eu faço é pegar algo em três, por exemplo, e passá-lo para quatro, tem músicas que dão certo.
SARAIVA
Tem a versão em samba do Martinho da Vila para a ‘Valsinha’ do Chico Buarque.
ASSAD
São exercícios musicais que eu acho gostoso fazer.
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LINK com a ideia “o que faz com que essa música se sustente em qualquer das duas abordagens” apresentada em – 5.2 – uma pergunta para Brouwer.
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Faixa gravada no álbum Saraivada (Biscoito Fino) – 2007.
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LINK com a mesma ideia, do “essencial” em apresentada em – 5.2 uma pergunta para Leo Brouwer.
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Vale salientar que o desenho da clave se inicia no segundo compasso transcrito, a partir da barra dupla que marca o início da quadratura. Desenho extraído da página 3 da apostila do workshop do universo percussivo baiano ministrado por Letieres Leite em setembro de 2013.
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Versão gravada pelo Duo Saraiva-Murray – que formo ao lado de Daniel Murray – para nosso CD Galope (Borandá), que conta com a produção de Paulo Bellinati.
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LINK com o projeto de Chico Saraiva apresentado na seção “Composições e exercícios” de seu site pessoal.