3.7 – o violão às vezes traz a melodia
SARAIVA
00:00 construindo assimilação
GUINGA
00:49 Noturna (Guinga/Paulo César Pinheiro)
01:20 resolve quando começa a canção
SARAIVA
02:03 passagens de Pra quem quiser me visitar (Guinga/Aldir Blanc)
GUINGA
É engraçado isso, mas isso é inconsciente mesmo.
Você, que é compositor, sabe disso.
SARAIVA
É… a gente vai fazendo…
por exemplo aqui quando
[toca e canta frisando trecho de Pra quem quiser me visitar]
[depois apenas canta a mesma passagem salientando o intervalo da mudança de compasso entre a nota mi (quinta do acorde de A(add9)/C#) e ré # (terça do acorde de B7/F#), que formam entre si um intervalo de nona menor[i] de difícil entoação vocal ]
Me dá a impressão de que se não tivesse com o dedo “1” aqui …
… não ia ser essa a nota da melodia
GUINGA
Ah, não ia.
O violão às vezes traz a melodia.
SARAIVA
Ele fornece, né?
GUINGA
Se bem que, no fundo, é você buscando já inconscientemente no violão.
Mas às vezes tu erra e erra para melhor, e aí aproveita aquele erro
Isso acontece muito com o compositor.
O que Guinga classifica como erro, considerando – ele mesmo – o âmbito da canção popular, é trivial em outras linguagens musicais também presentes no amplo escopo de recursos de Guinga, como, por exemplo, os oriundos de vertentes composicionais da música escrita para violão solo no período moderno. Tal convergência estética, que foi, como vemos, um dos pontos chave do trabalho, revelou algum deslocamento na posição de Luiz Tatit com relação à questão. Na primeira entrevista (realizada em 03/10/2011) que deu base à dissertação, Tatit classifica as melodias de Guinga, de um modo geral, como constituídas de um material extraído de uma matriz de “origem instrumental”.
TATIT
O Guinga, por exemplo,
extrai melodias que acabam virando unidades entoativas
mas que têm outra origem, que é a instrumental.
O instrumento sugere a linha,
e se a linha for instrumental demais,
vem aquela história de diminuir.
Você atenua a musicalidade
para que aquilo vire uma coisa entoável.
Em 28/05/2015, como desdobramento da dissertação, foi realizada uma segunda entrevista para o filme Violão-Canção: uma alma brasileira[i]. Neste segundo momento, mobilizado pela execução ao vivo do motivo melódico inicial da canção de Guinga – que expressa o aspecto que vem sendo discutido em forma de música –, Luiz Tatit atualiza e aprofunda sua percepção a cerca do tema ao salientar a presença daquilo que é próprio da fala – ponto de partida da escuta de Tatit – naquilo que já fora, ou poderia ser visto como estritamente instrumental. A melodia, permeada de acidentes ocorrentes, é marcadamente dissonante em relação á tonalidade utilizada; seu percurso é composto de intervalos de difícil entoação, ao menos para um cantor forjado na canção popular mais tradicional, e, ainda assim, Tatit o escuta agora como uma frase melódica que possui um “fundo entoativo muito forte” e salienta a co-existência dos “dois sistemas”.
SARAIVA
00:00 meio de caminho
00:00 Pra quem quiser me visitar (Guinga/Aldir Blanc)
[toca e canta]
TATIT
[comenta logo na sequência da execução]
00:00 a entoação fazendo o caminho possível
Interessante essa frase
ela tem um fundo entoativo muito forte,
e ao mesmo tempo é o caminho melódico super esquisito, de novidade, tal,
que dizer, um caminho completamente original,
mas como uma entoação muito clara por trás, uma entoação muito clara.
então, é interessante por que aí entra esses dois sistemas,
a parte harmônica sugerindo um caminho que é diferente
e ao mesmo tempo a entoação fazendo um caminho possível.[i]
-
O que seria um cromatismo descendente, de fácil entoação, com a quebra de oitava – possivelmente sugerida pelo registro da quarta corda do violão – torna-se um intervalo de nona menor, de difícil entoação.
-
Média-metragem, lançado em 2016, produzido com recursos do PRCEU/USP, com co-direção da Prof. Dra. Rose Satiko Gitirana Hikiji, em parceria com o Laboratório de Imagem e Som da Antropologia (LISA/USP).
-
LINK para o vídeo desse momento, que encerra o capítulo – 3.4 -“A pergunta de Tatit”.