3.2 – “pétalas de rosas espalhadas pelo vento”
Paulo César Pinheiro, que já fez letras para música de canções compostas das mais variadas maneiras, valoriza os recursos próprios aos processos criativos que prescindem do instrumento e que se aproximam da primeira categoria de nossa esquematização. O trecho de nosso diálogo transcrito a seguir tangencia tais questões:
SARAIVA
00:00 o instrumento ativo na busca melódica
00:45 o equilíbrio de Tom Jobim: Chovendo na roseira
SARAIVA
Natural![i]
[Toca e canta a segunda parte da mesma música]
SARAIVA
Não natural, certo?![i]
Na segunda parte, que é mais elaborada,
faz-se necessário então que eu “dobre” a melodia
tocando-a também no instrumento.
A exemplo de como Jobim fazia tantas vezes,[i]
para apoiar a voz.
Se não, não dá.
P. C. PINHEIRO
E são populares.
SARAIVA
São populares e sofisticadíssimas.
P.C. PINHEIRO
Pois é!
No vídeo[i] de Elis Regina e Tom Jobim ensaiando essa mesma música para a antológica gravação do LP Elis e Tom, há um diálogo entre compositor e intérprete que corrobora a visão aqui apresentada. Diálogo que segue transcrito abaixo:
ELIS
[canta]
“pétalas de rosa espalhadas pelo vento”
[e diz]
“essa escadinha hein?!”
JOBIM
“Foi por isso que eu não gravei cantando essa música.”
ELIS
“Deixou pra eu gravar, né?”
JOBIM
“Isso é coisa pra profissional.”
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Essa primeira frase, que – como podemos verificar visualmente – é simetricamente equilibrada, exemplifica uma construção melódica que atende os preceitos cultivados historicamente pelo ensino da disciplina do Contraponto. Já que a melodia tem seus saltos compensados por graus conjuntos no sentido oposto ao que ocorrem, preservando naturalidade, entoabilidade e memorização do sentido horizontal da linha melódica. Questões que se apresentam de maneira espontânea para o “cancionista” e que, de maneira análoga, representam alicerces para a tradição da música escrita.
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A melodia da segunda parte apresenta saltos ininterruptos – inclusive de quarta aumentada –, que dificultam sua entoação colocando-a nessa condição de uma canção “sofisticada”. Por outro lado, esses saltos se dão dentro do círculo de quintas de um mesmo modo – mixolídio –, o que facilita sua assimilação e pode gerar esse sentido “popular”.
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Vale ressaltar que compositores do período romântico que alimentou Jobim – como Schumann e Schubert – utilizavam o piano “dobrando” a melodia com a voz, nos momentos em que o “lied” apresenta uma maior presença de saltos na melodia.
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Chovendo na roseira – Tom Jobim e Elis Regina – o diálogo citado a seguir se inicia a partir de 02:38.