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5.5 – “Boi de mamão” – com Paulo César Pinheiro

Um argumento que se revelou dos mais convincentes para que Paulo César Pinheiro – que não costuma conceder entrevistas de caráter acadêmico – aceitasse este convite, foi o de que eu traria uma nova melodia para mostrar a ele. Anunciei que se ele, com quem já compus algumas canções, gostasse da melodia e a sentisse sua – prerrogativa de praxe –, deixaria uma gravação para que a melodia recebesse letra. Essa foi a maneira mais concreta de deixar claro ao poeta que minha intenção era falar sobre processo criativo da forma mais prática que nos fosse possível, apresentando, inclusive, como nascia uma canção. E assim está sendo.

Quando, já em nossa entrevista, antecipo o caráter da música, composta especialmente para a ocasião, ocorre ao poeta a lembrança de um recurso utilizado por Baden Powell quando “empacava” ao compor uma canção.

 

SARAIVA

 00:00  por outro lado

Por um lado venho explorando a elaboração musical que o instrumento proporciona;[i]
por outro lado, você me ensinou muito ao longo de nossas parcerias,
sobre como desvencilhar-se do instrumento, assim como você conta que Baden fazia.
Então eu fiz uma música nova, mais batucando que tocando violão,
pra te trazer nesta entrevista. É novinha e ficou deste jeito…

P.C. PINHEIRO

 00:31 Baden empacado

[se antecipa à música prestes a ser tocada e diz]
Você tocou num assunto que me fez lembrar de um fato…

 

BADEN

“Vem, cantando junto comigo que quando chegar no ponto
eu vou parar e você continua”

P.C. PINHEIRO

E aí ele vinha cantando comigo junto,
e naquele momento do impasse ele segurava o violão,
parava também de cantar e eu continuava.
Daí ele:

BADEN

“O violão não me deixou pensar nessa saída
e era nesse caminho que eu queria ir”[i]

P.C. PINHEIRO

Daí ele pegava aquilo que eu tinha cantado e prosseguia.

SARAIVA

Deixar a canção correr…

P.C. PINHEIRO

Entendeu?
Isso é a “sabedoria” de um criador:
Saber até que ponto o “conhecimento” não atrapalha.

SARAIVA

 02:18 resposta em  música: Boi de Mamão (Chico Saraiva/…)

[melodia cantada com palavras que esboçam uma entoação por meio de uma sonoridade aproximada para cada frase, com um resultado semelhante ao que costumamos chamar de “boneco da letra”. Dessa maneira, consegue-se sugerir uma sonoridade, que tanto pode ser seguida como subvertida pela letra, sem fechar o sentido]

 05:12 passada batucando e pontuando para o poeta os momentos da canção

 06:55 fiz lá na minha ilha depois de madrugada boa

 07:58 no caso não vem tanto pelo samba

P.C. PINHEIRO

Mas se você faz bem isso que você está fazendo, não precisa fazer samba.

Se você sabe fazer samba, faça.
Se não sabe fazer e faz isso bem faça isso bem, não faça samba mal.

Porque o samba tem um mistério.

Se você tem consciência disso e tem vontade de fazer,
do jeito que o samba é,
com o mistério que o samba tem,
com o lamento – principalmente – que ele significa, faça. Não faça só por fazer.

“ah, não eu nunca fiz então vou fazer um samba.” Entendeu? Não é assim.

 

A menção a tal “mistério” nos coloca frente aos limites existentes entre os gêneros/ritmos, cabendo salientar o quanto se faz presente na vida do músico brasileiro – tanto na teoria quanto na prática – o manejo do paradoxo apresentado em nosso processo de constituição, no qual o “autêntico nasce do impuro”. Conforme nos apresenta Hermano Vianna:

A “fixação” desses gêneros acontece ao redor do samba (…) . O interessante é que o “autêntico” nasce do “impuro”, e não o contrário (mas em momento posterior o “autêntico” passa a posar de primeiro e original, ou pelo menos de mais próximo das “raízes)”. (VIANNA, 1995, p. 122, grifo nosso)

SARAIVA

 09:23  Eu não consigo entender os limites entre as coisas.[i]

Essa mesmo é um “boi”…

P.C. PiNHEIRO

Isso aí é muito bom

SARAIVA

Mas se for para pensar em ritmo, na segunda parte muda
[toca salientando algumas das figuras rítmicas utilizadas]

SARAIVA

Eu já não sei o que é,
e na verdade nem quero saber o nome (do ritmo)
Porque é da minha natureza misturar.
E eu posso ter essa escolha como músico.[i]

P.C. PINHEIRO

Claro, esse tipo de música é muito boa.
Muita coisa do Villa-Lobos veio desse tipo de música.
Ele teve influências folclóricas dos interiores do Brasil muito fortes.
Ele se fascinou por esse tipo de música, na época em que andou pela Amazônia,
quando ele ouviu o Uirapuru, e ficou tomado, escutou muito isso.
Tem uma coisa indígena, não é muito negro.

 

O “boi” é um exemplo de gênero/ritmo que, originário do entorno amazônico, marcadamente indígena, não apresenta um desenho rítmico mais extenso que se configure como uma referência básica, nos moldes de uma time-line ou clave.

Finalmente, por meio de minha própria musicalidade, completa-se a tríade que forja a identidade brasileira. Assim, o “índío” surge como amálgama que relativiza a polarização, assumida pelo presente trabalho, entre o “branco” (ou europeu) – que associamos, de um modo geral, aos recursos melódico-harmônicos – e o “negro” (ou africano) – que representa uma importante matriz da rítmica brasileira.

 

P.C. PINHEIRO

É mais indígena,
E você faz sem saber nem por que… e faz bem.

SARAIVA

Agradeço,
vindo de ti é uma honra.

  1. LINK com ideia “eu queria perguntar sobre os momentos que você percebeu o violão agindo na melodia da canção” apresentada em – 3.3 – a canção sem violão;

    LINK com ideia desenvolvida no capítulo – 3.2 – “Pétalas de rosas espalhadas pelo vento” – no momento imediatamente anterior a este da entrevista com P. C. Pinheiro.

  2. LINK com a ideia “quando a pessoa não toca violão, é capaz de imaginar coisas que o violonista não teria imaginado” apresentada em – 4.2 – o idioma do violão – no depoimento de Sérgio Assad.

  3. LINK com a ideia “eu às vezes não sei onde começa ou termina o samba” apresentada em – 5.4 – rítmica brasileira.

  4. LINK com a ideia “pode virar qualquer outra coisa” apresentada em – 6.4 – o momento da escrita – no depoimento de Sérgio Assad.

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